Matéria e Anti-matéria

Até onde me consta, foi nos tempos de Hitler que a ideia de que não existe substituto para a mãe alemã no que diz respeito ao cuidado e educação de seus filhos foi propagada. Por isso as políticas de licença maternidade, construção de pré-escolas e berçários estimularam as mães a cuidarem dos filhos até os 3 anos de idade. Como consequência existe hoje na Alemanha falta de infraestrutura para atendimento às crianças de pré e ensino fundamental.

Há cerca de 4 anos foi ampliado o sistema nas pré-escolas para receber crianças a partir de 2 anos (antes era a partir de 3 anos). Meu filho fez parte da primeira turma de crianças no Kindergarten dele que começaram a frequentá-lo com 2 anos, para se ter uma idéia. Eu mesma recebi olhares de reprovação por parte de mães mais conservadoras, como se fosse pecado entregar o filho para outra pessoa cuidar aos 2 anos de idade! A mudança foi grande também para o sistema: adaptar instalações, treinar pessoal, mudar a rotina para acomodar hora do sono ou troca de fraldas, etc.

E as crianças de 0 a 2 anos? Recentemente saiu uma reportagem na revista Stern sobre a dificuldade de se conseguir uma solução que agrade a pais e crianças. As mães que precisam ou querem trabalhar não têm muita opção: contratar uma “cuidadora” que fica com o bebê durante o dia ou por algumas horas (o que é caro, pois tem que ser pago com recursos próprios), ou tentar a loteria de conseguir uma vaga em uma das raras instituições que os recebem.

Outro ponto importante é o período em que as escolas atendem. Pré-escolas só estão abertas até às 16:30 horas (quando muito!), escolas primarias até às 13 horas e recreação à tarde até às 17 horas (também quando muito!). Meu leitor pode imaginar a dificuldade que é se conciliar trabalho em período integral e família vivendo aqui.

As mulheres que já trabalhavam antes da maternidade gozam porém de uma situação bem mais confortável. Elas podem optar por não trabalhar 100% do tempo após a licença maternidade. E as empresas têm que aceitá-las de volta, pois não podem dispensá-las por esse motivo. É comum porém o remanejamento de funções após a licença, pois nem todo trabalho pode ser realizado por exemplo das 9 às 15 horas.

Há uma parcela considerável de mulheres que, por não conseguirem emprego no seu nível de qualificação, sujeitam-se aos chamados “minijobs” (trabalhos na área da limpeza, catador de lixo, atendente de posto de gasolina ou de padaria, telefonista, etc) ou empregos em período parcial. Quando elas se aposentarem, receberão uma quantia que claramente não será suficiente para cobrir suas despesas na velhice, pois não terão contribuído para o sistema de previdência.

Só para se ter uma idéia: uma trabalhadora que ganha 1440 euros em período integral terá depois de 35 anos de contribuição somente 500 euros de aposentadoria. (Nossa geração é a primeira que está fazendo plano de complementação de aposentadoria. Acabou-se era dos velhinhos abonados do pós-guerra, que deixam os filhos e netos em casa e viajam metade do ano pelo mundo.) Mulheres que só tiveram os chamados “minijobs” de 400 euros terão após 45 anos de trabalho míseros 139,95 euros!

O poder público não está conseguindo adaptar a estrutura ao mercado de trabalho com a velocidade necessária. A solução proposta pelo atual governo é instituir uma ajuda financeira para mães que se proponham a ficar em casa para cuidar dos filhos e, claro, abdiquem de suas vagas nas pré-escolas (chamado de Betreuungsgeld). Não sei o que é pior: a doença ou o remédio…

O “milagre” funcionaria assim: a partir de 2013 seriam pagos 100 euros, a partir de 2014 o salario-fogão seria de 150 euros…. Em um dos Estados onde esse sistema já foi implementado em 2006 só optam por esse auxílio – mínimo, diga-se – aquelas que já ganham pouco, pois a ajuda representa uma parte não desprezível do orçamento mensal.

Não é muito difícil imaginar o que acontecerá. O problema da empregabilidade das mulheres vai provocar uma onda de aposentadas pobres no país (calcula-se um aumento dos atuais 2% para 10% até 2025), principalmente na antiga Alemanha oriental, dizem os críticos. Para “solucionar” esse problema, o governo também está propondo um complemento de aposentadoria para essas mulheres que acham emprego nos “minijobs”, além dos seguros que já existem hoje….

No mesmo artigo o autor chamou as duas partes do plano de Matéria e Anti-matéria: quando se encontram, eles se destroem, desperdiçando uma enorme quantidade de energia. Ótima definição! Ao invés de investirem no sistema de educação primaria e pré-escolar para garantir condições das mães irem trabalhar e construir suas existências, arrumam soluções que se contradizem e que dificultam o reingresso no mercado de trabalho a essas mulheres, gerando pobreza. Como disse o autor da crítica, teria que acontecer uma revolta feminista no governo!

Situação de aposentado pobre nós brasileiros conhecemos bem. O que me assusta é que essa realidade pode estar chegando aqui, se não for feito nada para impedir. Tanto recurso e conhecimento pra quê? Assim como no Brasil, aqui política também é assunto para “gente grande”. Ajuda demais muitas vezes atrapalha…

Minha vivência de pré-escola

Já que estamos falando em educação,  acho que chegou a hora de falar um pouco sobre o sistema daqui. Vou começar falando sobre a pré-escola.

As crianças de 02 a 06 anos vão ao Kindergarten (Jardim da Infância, literalmente, inclusive o conceito e o termo foi inventado aqui e copiado para o resto do mundo). Na escolinha do Gabriel, que era católica, haviam 3 grupos de 25 crianças cada, orientados por 3 educadoras. Há escolinhas menores, mas não conheço maiores. Há também as evangélicas e as públicas, sem confissão religiosa.

Em cada grupo há mistura de idades, não tem maternal, jardim e pré como no Brasil. As crianças de diferentes idades convivem e brincam no mesmo grupo, claro que respeitando os diferentes interesses. O interessante é notar que os mais velhos ajudam a cuidar dos mais novos, os que chegam. Acho que é por isso que os parquinhos aqui são tão tranquilos…

Não há programa pedagógico ou apostilas, também não é função da pré-escola alfabetizar. As educadoras estão lá para orientar e dar suporte às crianças no que elas têm vontade de fazer: criança tem que brincar. Alguns rituais e rotinas são encaixados na manhã da criança: música, círculo de conversa, rituais relacionados à Páscoa ou Natal, por exemplo.

Outro dia um brasileiro expatriado comentou essas diferenças comigo. Ele estava comparando o período em que os filhos dele iam à pré-escola em São Paulo. Todo dia havia um caderno, onde era anotado tudo o que as crianças faziam: o que e a que horas comeu, se dormiu, quanto dormiu, num nível de detalhe impressionante. Aqui não há nada disso. Educador é muito caro pra ficar escrevendo recadinho para pai e mãe, eles pensam. Anualmente há uma reunião, individual, com cada pai ou mãe, onde é falado sobre o desenvolvimento, os pontos fortes e os de melhoria de cada criança. E sempre que acontece algo que merece ser falado, a comunicação é feita na hora. Não senti falta de caderninho, não.

Quando a criança completa 5 anos ela é considerada um pré-escolar. Todas as crianças que irão para a 1a. série participam de um programa especial dentro do Kindergarten, que visa o preparo para a escola. Duas ou três vezes por semana uma parte da manhã para desenvolver atividades que trabalham melhor a coordenação motora fina para a escrita, as formas, eles passam a conhecer (oficialmente) algumas letras, etc.

O programa citado acima também visa minimizar problemas no início da vida escolar. De acordo com a mentalidade daqui, é uma mudança associada com bastante stress para as crianças. A criança passa não só a brincar, mas a ficar atento, a se concentrar, a seguir calendário, a fazer lição de casa…. Então o “peixe é vendido” devagar e de uma maneira a criar uma imagem positiva da nova situação.

A mochila é um símbolo dessa nova fase, ela geralmente é comprada com meses de antecedência. Além disso a criança vai junto para fazer a inscrição, faz visita na escola, onde participa de atividades em conjunto com os ex-colegas de Kindergarten que já estão na escola, há exame médico. No primeiro dia de aula todos recebem a “Schultüte”, um cone de papel e tecido em que é colocado um monte de presentinhos e doces para os recém escolarizados, há celebração religiosa e os alunos preparam uma festa para recepcionar os estreantes.

Ao final do Kindergarten cada um leva pra casa uma pasta grossa, tipo essas de arquivo. Durante os anos de Kindergarten eles mesmo decidem o que vai ser colocado na pasta. Isso estimula a independência da criança. O resultado é um “resumo” do que se passou… as atividades, os desenhos preferidos, a evolução, fotos, as avaliações, está tudo lá. Feito pela própria criança que, sem saber, escreveu um diário.

Através do Kindergarten não só as crianças ampliam seu contato social, os pais também. É quando a integração entre as famílias acontece. É comum nesse período que as crianças se visitem, mas ainda acompanhadas dos pais. Duas situações facilitam muito a integração de quem vem de fora: ter criança ou ter cachorro. No meu caso posso dizer que meu filho foi a chave para a integração mesmo. Mas não foi só isso.

Ainda vou falar mais sobre esse assunto, que nos últimos anos tem me ocupado bastante.