O que fazer com as coisas que não nos servem mais?

Todo mundo vive esse dilema um dia, alguns por falta de espaço outros porque querem que a energia circule melhor, enfim, há várias maneiras de solucionar o problema. A primeira é não acumular. Em São Paulo provavelmente seria essa a minha solução, pois nos apartamentos de hoje não há lugar pra se acumular nada!

Aqui na Alemanha é diferente: a existência de porão na maioria das casas faz com que a gente acumule, junte, guarde tudo. O que foi pensado para ser um depósito de mantimentos após a guerra acabou se tornando o lugar perfeito para se colecionar e esconder coisas. Todo tipo de coisas.

Pois bem, chegou um momento em que disse “eu preciso me livrar dessas coisas”! E resolvi me inscrever para participar de um bazar na escola evangélica do bairro onde moro, vulgo mercado de pulgas. A idéia era a de não só fazer espaço e diminuir a conteúdo para uma possível mudança de endereço e com isso ainda arrecadar um dinheirinho (aqui o senso de valor do dinheiro tem um outro significado que pra nós, mas isso é outra história), mas também de propiciar ao meu filho um contato mais direto com esses assuntos monetários da vida, afinal ele está aprendendo isso na escola.

E tive uma experiência inédita, após quase 9 anos de Alemanha. Selecionei umas coisas, encaixotei, botei no carro e levei ao local do bazar. Chegando lá, descarreguei o carro e comecei a arrumar minhas “quinquilharias” em cima de uma mesa larga, como as outras pessoas. Recordei meus tempos em que tinha loja, analisando o melhor lugar pra por as mercadorias, como melhor separá-las, dei uma “chupinhada” na concorrência… muito engraçado. Também passei a conhecer outras pessoas do bairro, por exemplo a mãe de um colega do meu filho do futebol que tinha a banca dela em frente a minha…

O bazar ainda não tinha aberto ao público e algumas pessoas ainda estavam arrumando suas bancas quando eu comecei a observar meus arredores. Gente trazendo todo tipo de coisas de criança, algumas quase novas e outras nem tanto, modernas e antigas, e eu olhando aquilo e imaginando como seria a vida daquela pessoa, o que ela teria em casa, coisas desse tipo.

A sensação que tive foi inesperada e desconfortável. A impressão que eu tive é que toda aquela gente estava na minha casa, abrindo meu armário e bisbilhotando em minhas gavetas, coisa que nem a mais despojada anfitriã gostaria. Foi quando começaram a vir os primeiros compradores. Uma negociação aqui, outra ali, e de repente havia tanta gente no salão comprando que por mais de uma hora nem vi o tempo passar.

Depois disso, com mais da metade das coisas vendidas e algum dinheiro no bolso, percebi que idéia de ser “espionada” não me incomodava mais. Os alemães não tem vergonha disso, como nós latinos. Lá havia gente de todas as classes sociais comprando e vendendo seus badulaques, num clima perfeitamente normal. Afinal, por que jogar fora nossas coisas ao invés de repassá-la pra frente, para serem usadas por mais alguns anos? Eu mesma já havia comprado algumas coisas no bazar e nunca me arrependi.

Voltei pra casa com uma sensação muito boa. Eu me diverti fazendo aquilo. E estou pronta e mais afiada para o próximo. Meu porão está longe de estar no nível que eu gostaria…